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NOVELINHA PARTE 1

NOVELINHA PARTE 1

A história de amor de Paulo Eduardo e Vera Cecília

 

1-Paulo Eduardo tinha todos Araujos, Botelhos, Coutos e Penteados no sobrenome, a postura de quem os carrega há mais de quatrocentos anos e a elegância de um lorde inglês. Nunca trabalhou na vida. Quando cursava o primeiro ano de Economia da Faculdade Getúlio Vargas, seu pai recebeu uma bolada vinda da desapropriação de um terreno muito bem localizado e, com o dinheiro bem aplicado, não precisariam se preocupar, seus netos estariam garantidos. Para que perder tempo estudando?

A primeira grande decisão que tomou foi comprar um carrão, daqueles que faziam 3 km com um litro de gasolina e o maior sucesso com as garotas Rua Augusta abaixo.  Paulão, assim o chamavam, era boa gente; bem humorado, sempre disposto a contar uma novidade com seu jeitão meio tímido, um charme.

Corria no sangue da família a tendência ao vício da jogatina. Apostas no Jóquei Club, bilhetes de loteria, jogo do bicho e carteado. Pôquer, cacheta e pife-pafe eram seus favoritos. Nessa época era comum os ricos frequentarem as famosas rodas de jogo nos clubes sociais e ali deixarem fortunas.

Certa vez...

2-Paulo Eduardo estava de ressaca. O whisky da noite anterior era falsificado e a cabeça doía ao menor movimento. Tomou uma chuveirada e um café forte. Vestiu uma camisa Polo, calça caqui e mocassim italiano, foi até a cozinha, pediu para a copeira fazer dois ovos fritos na manteiga, torradas e suco de laranja. Depois de se alimentar já se sentia melhor.

Sábado à tarde, iria para o Jockey. Quando abriram as apostas para o terceiro páreo resolveu arriscar. Estudou as apostas, mas estava com um palpite forte em um cavalo que não era um dos favoritos. Adil, era o nome do belo animal. Ia apostar no vencedor, mas fez um placê. Just in case. Se chegasse em segundo ainda levaria algum dinheiro. Foi dada a partida, Adil saiu na frente, promissor. Durante a corrida, o cavalo parecia inseguro e Paulão suava de nervoso. Na última volta Adil foi tomando velocidade, disparou e chegou em primeiro lugar. Ganhou a corrida por uma cabeça à frente do segundo colocado.

Putaqueopariu! Uma grana preta vinha direto para o seu bolso. Precisava comemorar. Garçom, champanhe, por favor! Ao lado, ao ver a euforia do sujeito, três moças muito bem vestidas, entre elas Vera Cecília, sorriam e se movimentavam. Ele pediu mais três taças e, logo depois, outra garrafa. Bom demais. Deu um jeito de pedir o telefone de Vera Cecília. Estava encantado seu modo de falar.

3-A moça era de uma beleza incomum. Olhos amendoados, nariz levemente aquilino e uma vasta cabeleira negra a custa de muito Wellaton. Havia terminado o curso de secretariado, estagiava numa grande empresa familiar. Paulo Eduardo estava impressionado com seu jeito franco de se expressar, seus quadris largos e cintura fina.

Depois daquela tarde no Jockey, ele esperou passar uns dias e ligou para ela. Ficaram horas no telefone e por fim marcaram de se encontrar. Cinema era um programa leve, tomariam um lanche depois e ele a levaria para casa.

E assim foi.

Paulão foi buscá-la mais cedo do que o combinado. Ela morava em um belo sobrado perto do Parque da Mooca, com um portão alto e uma entrada lateral. Ele tocou a campainha, cumprimentou a mãe, mas preferiu esperar no portão.  Vera Cecília apareceu de salto e minissaia deixando à mostra as pernas grossas. Como ele não havia reparado antes?

No carro, a caminho do cinema, foram descobrindo as afinidades e aparentemente os dois estavam a fim.

4-Depediram-se no portão com um beijão daqueles. Ela entrou em casa, subiu direto para o quarto e jogou-se na cama com os braços abertos. Ficou ali, olhando o teto e pensando que não devia ter dado no primeiro encontro. O que ele iria pensar? Ficou com raiva de sua impetuosidade, com sentimento de culpa, com vergonha de ter agido como uma garota fácil.

Ele voltou dirigindo com os vidros do carro abertos, o cotovelo apoiado na janela e a radio FM tocando as músicas mais românticas de Roberto Carlos, sem intervalos comerciais. Que mulher sensacional, decidida, desencanada, fogosa! Ele sabia que finalmente ele iria se apaixonar.

Chegou em casa, preparou um whisky e ficou sentado na sala, no escuro, repassando cada momento. Mandaria uma dúzia de rosas vermelhas no dia seguinte. Uma dúzia, não dez dúzias de rosas, queria impressionar aquela garota sensacional.

Paulo Eduardo tinha certeza que ela ligaria para agradecer no dia seguinte. Ficou esperando. Já eram quase onze da noite e nada, nem sinal de Vera Cecília. Tudo bem, amanhã ela liga. Não ligou nem deu sinal de vida durante uns quatro dias. Ligaria no fim de semana, afinal dez dúzias de rosas não é para qualquer um. Porém não há autoconfiança que resista a tamanho silêncio. Mil coisas passaram pela cabeça. Teria ela se ofendido, achado um exagero mandar tantas flores? Será que era alérgica a rosas? Ou só fingiu que gostou da performance dele, mas na verdade achou uma bosta?

Sábado perto da hora do almoço ele ligou. Vera Cecília estava reticente e ele não sabia como continuar a conversa. Cauteloso, convidou-a para jantar no restaurante da moda, que ficava em uma travessa da Nove de Julho. O lugar era badalado, tinha milhões de placas de acrílico transparente penduradoas no teto, música ambiente e atmosfera romântica. Ela topou.

E foi assim que mais uma história de amor começou. Em pouco tempo estavam envolvidos a ponto de um não poder ficar sem o outro.

Ele continuava indo ao Jockey, apostando alto e frequentando as rodas de pôquer e pife-pafe, ela na sua rotina de trabalho e bate no papo interminável com as amigas. O pai dela até resolveu ter uma segunda linha, porque o telefone da casa vivia ocupado. Pagou uma fortuna por seu sossego.

5- A vida é bela e a felicidade existe, pensava Paulo Eduardo. Sua Vera Cecília era linda boazuda e estava apaixonada por ele também.

Com o tempo, ir buscá-la e levá-la foi ficando longe. Ele morava no Morumbi e ela na Mooca; ela não dirigia, nem tinha carro. Ia e voltava do trabalho de ônibus, e na Mooca, meu, tinha tudo que precisava sem ter que andar muito.

A paixão era tanta que não conseguiam ficar se ver. Ele precisou deixar de jogar três vezes por semana para ficar com ela, só que sentia falta da adrenalina na mesa de jogo. Ainda mais naquela maré de azar. Affeee, não gostava nem de falar essa palavra.

Enfim, acabou convencendo a moça a ir com ele jogar, pois costumava varar à noite. Ela o acompanhava toda sexta-feira. Ficava sentada do lado dele, bem vestida, de meia calça, salto alto, cabelo arrumado, sem abrir a boca.

6- De tanto observar, não demorou muito para Vera Cecília entender como o jogo funcionava.  Começou a dar palpite, o que irritava Paulo Eduardo ao extremo. E essa aqui? Não, joga essa. Ai! Essa não... Deixava escapar de vez em quando.

Meu amor, você não pode falar nada. Qualquer coisa que você falar vai indicar para os outros que jogo que eu tenho. Fica aqui do meu lado, querida, mas fica quietinha. Te amo. Beijo. Vem pra cá do meu ladinho para dar sorte.

E ela foi aprendendo a ficar de boca fechada, do ladinho dele para dar sorte. Era um cigarro atrás do outro, chegava a fumar um maço de Hollywood com filtro madrugada adentro; outra coisa que Paulo Eduardo não gostava. Geralmente o jogo terminava às cinco da manhã, quando já estava amanhecendo. Antes de levá-la até a Mooca passavam na padaria pra tomar café. Cansados e de mau humor, despediam-se com um beijo mais ou menos. Ela dizia a si mesma que nunca mais iria vê-lo jogar. Ele se sentia culpado por pedir que ela fosse junto.

O namoro deu uma esfriada. Ela foi contratada como assistente de marketing, período integral, mais responsabilidades, salário melhor, direito de sonhar com um futuro. Paulão era rico, muito rico, mas mesmo que ficasse com ele não pretendia ser dependente. Aquelas alturas as coisas não iam muito bem.

Paulão ainda perambulava na maré de azar, mas não deixava de jogar. Sentia falta de Vera.

7-Quem joga não gosta de frequentar rodas onde o valor das apostas seja menor do que ao que já está acostumado. A tendência é apostar cada vez mais alto para ter mais emoção.

 Paulão andava chateado porque sua relação com Vera Cecília não ia bem, começou a se arriscar mais no poker. Ele era, no jargão do vício, um ‘bailarina’, sai dançando em todas as paradas. Era um perdedor otimista, aquele que vai em todas as jogadas, sempre achano que vai dar. E não dava. Nesse ritmo, a conta no banco foi minguando.

Seus pais jogavam todos os dias, cada um em um clube mais elitista do que o outro. Só milionários nas mesas, mas tudo bem, eles também eram milionários. Levavam aquela vida de dormir até a uma da tarde e jogar a noite inteira.

Seu irmão mais velho se chamava Epaminondas, nome herdado do pai e do avô. O apelido? Nondas - porque ninguém merece um nome antigo assim. Ele era bem mais cauteloso, só jogava com os amigos da faculdade e as apostas eram irrisórias.

Uma noite, Paulão estava jogando em uma casa de jogo clandestina que havia no bairro dos Jardins, recebeu um telefonema. Era sua mãe, aflita. Sabia onde ele estava e ligou para lá de madrugada pedindo que ele fosse imediatamente o hospital.

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